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CAMPANHAS - Serra Leoa - 2000
A partir do século XV, os portugueses transformam a região em centro de captura de escravos. O território é ocupado pela Inglaterra no século XVII. Em 1786, os britânicos fundam a cidade de Freetown .
Em 1787 Freetown passa a receber escravos emancipados pelos ingleses após a independência dos Estados Unidos. Após a proibição do tráfico de escravos, no século XIX, 70 mil africanos interceptados em navios negreiros são levados a Serra Leoa. Os ex-escravos, que eram próximos da cultura européia, desprezavam a população nativa. Transformados em elite e hostilizados pelos africanos, converteram-se em representantes do colonialismo. Em 1896 Serra Leoa se transforma num protetorado britânico
Os diamantes de Serra Leoa foram descobertos na década de 30, despertando de imediato a cobiça européia. O garimpo de diamantes não é apenas o melhor negócio, mas também a única mercadoria de valor de Serra Leoa.
Com a independência em 61, assumiu Milton Margai, do Partido Popular de Serra Leoa (PPSL), simpático aos interesses britânicos. Líder de um governo acusado de corrupto e distante dos interesses do povo, Margai morreu em 64, deixando o poder para seu irmão Albert Margai. Até 1963, apenas os brancos exploravam a pedra. Desde que as minas foram nacionalizadas, não houve mais paz.
Nas eleições de 67, chegou ao poder Siaka Stevens, do Congresso de Todo o Povo (APC). Membros da elite crioula aliaram-se a líderes tradicionais e representantes do interesse neocolonial para depô-lo por meio de um golpe. Siaka retornou ao poder em 68 (Golpe dos Sargentos) e, durante seu governo , nacionalizou a produção de diamantes e estabeleceu um regime de partido único. Stevens é o ditador até 1980, quando é deposto pelo general Joseph Saidu Momoh. Com a queda nas exportações na década de 80 somada à inflação elevada e às denúncias de corrupção, o país enfrentou uma onda de manifestações populares.
Um plebiscito marca a redemocratização em 1990. Em 91, forças rebeldes (na verdade um bando de guerrilheiros esfarrapados) atuando a partir da Libéria, sob o comando do contrabandista Fodday Sankon, da Frente Revolucionária Unida de Serra Leoa (FRU), ocuparam parte do país. Apesar da tropa mambembe, não foi difícil para Fodday Sankon derrotar o Exército nacional. Com um efetivo mínimo, desorganizado e mal equipado, o Exército leal ao governo debandou. Foday Sankoh foi cabo no Exército, passou sete anos na cadeia por conspiração nos anos 70 e outros tantos treinando guerrilha na Líbia. Em 1992 há um golpe de Estado liderado pelo capitão Valentine Strasser.
Em 1995, a FRU seqüestra seis freiras estrangeiras, entre elas a brasileira Hildegard Jacoby, libertadas logo depois. Ainda neste ano, para evitar a derrota para a FRU, o governo pagar 35 milhões de dólares a uma firma de mercenários da África do Sul. Pouco mais de 200 homens bem treinados e equipados com helicópteros foram capazes de expulsar a guerrilha de Sankoh de volta para o interior do país. Muitos guerrilheiros foram presos. O capitão Strasser é deposto em janeiro de 1996.
Nas eleições de 1996 foi
eleito presidente, Ahmad Tehan Kabbah, do Partido
do Povo de Serra Leoa - PPSL, com 60%
dos votos. Em maio de 1997,
um golpe militar (devido ao
atraso nos soldos) liderado
pelo major Jonny Paul Koroma - aliado da FRU -
depõe Kabbah, proíbe partidos políticos e suspende a Constituição. Os
amotinados libertaram os guerrilheiros presos e convidaram Foday a fazer parte
de um novo governo. Em
protesto a tudo isso, os Estados Unidos (EUA) fecham a embaixada no país.
Freetown é bombardeada por barcos nigerianos, com a ajuda de tropas da Guiné,
na tentativa de reconduzir ao poder o presidente deposto.
O major golpista é destituído em fevereiro de 1998, pela intervenção
de uma força de paz africana liderada pela
Nigéria. Kabbah retorna a
Serra Leoa, reassume o governo e decreta estado de emergência, o que lhe
permite prender cerca de 2 mil pessoas acusadas de
colaborar com o regime
militar. Ele manda fuzilar 24
oficiais e condena o líder
da FRU, Foday Sankoh à morte. Antes
de sua execução, uma coligação de desertores e guerrilheiros ataca a capital
do país. Foi então que se
espalhou o terror para valer. Moradores de bairros inteiros eram reunidos por
guerrilheiros adolescentes e metralhados nas ruas ou queimados vivos em suas
casas. Esquadrões especiais, na maioria formados por
crianças, circulavam com facões e machados mutilando as pessoas. Gostavam de
perguntar às vítimas se preferiam "manga curta ou longa".
Significava perder a mão ou todo o membro. O objetivo era aterrorizar a população
e estima-se que 100.000 foram mutilados. Em
1999 os rebeldes
da FRU são repelidos, mas guerra continua.
A continuidade do
conflito obriga o presidente Kabbah a iniciar negociações com Sankoh,
libertado em 1999. Em julho, governo e rebeldes assinam acordo de paz em Lomé (Togo)
que prevê a formação de um governo de união nacional integrado pelos dois
grupos. A ONU anuncia, em outubro, o envio de 6 mil soldados de uma força
internacional (Unamsil) para garantir a pacificação. Em novembro toma posse um
novo ministério, que abriga quatro ex-rebeldes. Sankoh fica encarregado de
supervisionar a mineração no país, num cargo com status de vice-presidente.
Em dezembro, o FMI anuncia um pacote de ajuda.
O acordo de paz entra em colapso em maio de 2000. A FRU retoma os combates e seqüestra
500 integrantes da força de paz da ONU que monitoravam as áreas produtoras de
diamantes em seu poder. Em Freetown, 10 mil manifestantes cercam a casa de
Sankoh, pedindo a libertação dos reféns. Guarda-costas do líder da FRU abrem
fogo contra a multidão, matando cerca de 20 pessoas. A ONU decide ampliar para
13 mil o número de soldados em Serra Leoa, tornando a Unamsil sua maior força
de paz em atividade no mundo.
Para deter o avanço de tropas da FRU em direção à capital, o governo britânico
envia 700 pára-quedistas e uma força naval, com 800 marines, a Serra Leoa.
Inicialmente, o objetivo seria apenas garantir a retirada de cidadãos da União
Européia e da Comunidade Britânica. Mas essas forças se envolvem na defesa de
Freetown e no treinamento das forças armadas de Serra Leoa. É a maior intervenção
militar unilateral empreendida pelo Reino Unido desde a Guerra das Malvinas.
O Exército de Serra Leoa parte para a ofensiva. Em apoio ao governo, o Conselho
de Segurança da ONU suspende o embargo de armas imposto em 1998. Sankoh é
preso em Freetown, por milícias pró-governo (com ajuda britânica), em maio, e entregue a tropas
da Grã-bretanha.
Apesar de sua detenção, os reféns da ONU começam a ser libertados,
aparentemente graças à mediação do presidente da Libéria, Charles Taylor,
que teria autorizado a FRU a exportar diamantes e importar armas através do
território liberiano. Em julho, soldados fortemente armados da ONU resgatam os
últimos 233 membros da ONU que ainda estavam em poder da FRU. Os rebeldes não
opõem resistência.
A ONU pede a todos os países que interrompam a importação de diamantes brutos
de Serra Leoa, até que o governo crie um sistema de identificação mostrando
que estes não provêem de minas da FRU.
O secretário geral da ONU, Kofi Annan, propõe a criação de Tribunal Especial
para os crimes de guerra em Serra Leoa, juntamente com o governo do país. O
Tribunal Especial é criado logo em seguida. O Tribunal Especial para a Serra
Leoa inicia o julgamento de Sankoh.
O contingente de 3 mil soldados indianos que integravam as forças de paz deixa Serra Leoa em setembro. A retirada militar ocorre em meio à crise com militares nigerianos, acusados por um general indiano de fazer acordos com os rebeldes para lucrar com a venda de diamantes. Até 2003, apesar da diminuição destes conflitos, a guerrilha continua em regiões mais remotas do país, especialmente após a prisão de Sankoh.
Mais da metade dos habitantes de Serra Leoa já perdeu suas casas e o país despencou para o último posto no índice de desenvolvimento humano da ONU. Sua renda per capita de 130 dólares é uma das mais baixas do mundo e 70% da população está desempregada e vive abaixo da linha de pobreza. Sete em cada dez adultos são analfabetos e a expectativa de vida de 35 anos é a mais baixa do planeta. Serra Leoa é a campeã mundial em mortalidade infantil, com 170 mortes a cada 1.000 nascimentos. O banco central, os serviços públicos essenciais, a polícia e os últimos resquícios de um Estado organizado desapareceram. A expectativa de vida é de cerca de 35 anos.
SAS em Serra Leoa
Equipes do Esquadrão D do SAS foram enviadas para Serra Leoa para dar suporte as forças britânicas destacadas para aquele país. Sua missão a priori era realizar reconhecimento avançado nas regiões controladas pelos rebeldes. Mas quando um contingente de 11 militares britânicos pertencentes ao Royal Irish Regiment foi seqüestrado por homens da milícia West Side Boys no dia 25 de agosto, a missão do SAS em Serra Leoa mudou.
Os soldados seqüestrados faziam parte do contingente enviado pela Grã-Bretanha para Serra Leoa para treinar e dar assessoria às tropas do governo serra-leonês, para que estas possam enfrentar as guerrilhas opostas ao regime, principalmente a Frente Revolucionária Unida (FRU). Os soldados (11 britânicos e um militar de ligação serra-leonês) viajavam em três Land Rovers pela estrada principal na direção de Freetown, retornando de uma reunião com forças Jordanianas da ONU, quando foram capturados pelos West Side Boys, segundo informações britânicas. Mas segundo outras fontes eles não estavam na estrada em sim selva a dentro e não tinham se encontrado com os jordanianos.
Os West Side Boys, com seu estapafúrdio nome de banda de rock, eram os típicos combatentes de uma guerra cujas atrocidades conseguiam ser mais chocantes que qualquer outra das barbaridades em curso na África. As tropas eram formadas por ex-militares e adolescentes movidos a drogas cujo mais abominável hábito era cortar as mãos de civis escolhidos a esmo, inclusive mulheres e crianças.
Operadores do SAS desembarcam em Serra Leoa |
Operação Barras
Os rebeldes disseram que soldados britânicos foram feitos reféns porque entraram no território dos West Side Boys a procura de um empresário de Serra Leoa que tinha conexões com interesses britânicos. O empresário foi seqüestrado há um mês e, desde então, não se tinha notícias dele.
Os West Side Boys que seqüestraram os soldados britânicos, tinham por chefe, Foday Kallay, de 24 anos, que se apresentava nas negociações para a libertação dos ingleses como "general-de-brigada", mas, até que o país mergulhasse no banho de sangue, ele era apenas sargento e servia como porteiro do Ministério da Defesa.
Quando foi negociar com os britânicos em 29 de agosto, Foday Kallay estava rodeado de guardas costas fortemente armados em roupas de camuflagem e camisetas. Um guarda trazia um lançador de granada impelido por foguete atravessado no peito e tinha uma granada presa a uma faixa preta que lhe circundava a cabeça. Outros bebiam cerveja de lata. Seus guarda-costas formavam um paredão ameaçador atrás dele. Kallay havia mantido um capitão britânico diante dele para servir de escudo humano, ao chegar para as primeiras negociações.
No dia 30 de agosto o clima ficou menos tenso quando nas negociações com o Tenente-Coronel Simon Fordham, oficial comandante do
Royal Irish Regiment e um general jordaniano, Kally, libertou 5 militares britânicos, em troca de um telefone por satélite e remédios.
Mas Kally em outras negociações começou a ameaçar, dizendo que se ouvisse o barulho de um único helicóptero, mataria todos os reféns. Os negociadores britânicos (dois deles do SAS), sentados do lado oposto, concordaram calmamente, garantindo a Kallay entender que ele era um homem respeitado e um comandante importante. Porém nas negociações posteriores o estado de humor de Kallay mudou drasticamente.
Em uma explosão de raiva, ele se queixou dos ataques britânicos às suas posições, em uma referência à Operação Trovoada, o bombardeio das bases dos West Side Boys pela Missão de Auxílio da ONU em Serra Leoa (Unamsil): "Posso garantir-lhe que o governo britânico não teve nenhum envolvimento na Operação Trovoada", disse um negociador britânico. Kallay, então, apresentou uma lista de exigências para libertar os outros soldados, elas variaram desde a instalação de um novo governo no país ao pagamento de anuidades para seus homens cursarem uma universidade britânica. "Resolva meus problemas e devolverei essas pessoas em 24 horas."
Ele também exigia remédios e alimentos. Paralelamente, outro líder dos West
Side Boys, Coronel Camboja, que servia como um porta-voz dos rebeldes exigia uma revisão do acordo de paz, a reintegração do grupo
rebelde no exército, e a libertação de seu
líder, General Papa, da prisão.
Em uma outra sessão de negociação, Kallay tinham pedido a libertação de quatro de seus comandantes, detidos em uma prisão de Freetown. Ao falar sobre a captura dos soldados britânicos, Kallay negou que tivesse saído determinado a seqüestrá-los. "Eu estava na minha base, não na estrada", disse. "Eles é que se meteram com meus homens. Não fui atrás deles."
Mas enquanto as negociações ocorriam um plano de resgate estava sendo montado. A missão dos negociadores era de apenas ganhar tempo para as tropas de resgate.
A base rebelde ficava numa área de manguezais e densa floresta em Occra Hills, a cerca de 70 quilômetros da capital, Freetown. Os britânicos temiam pela vida dos reféns, já que os membros da West Side Boys se envolviam em bebedeiras, consumiam drogas e normalmente cometiam atrocidades.
Durante duas semanas os britânicos treinaram para o resgate. Neste período Postos de Observação do SAS foram montados próximos a posição rebelde para monitorar os seus movimentos.
No dia 5 de setembro 100
pára-quedistas britânicos do 1º Para chegaram a Serra Leoa, vindos do
Senegal, para participar da Operação Barras, codinome do missão de resgate.
Ao total 272 homens participariam da missão: 100 homens do Esquadrão D do SAS, 110 do
1º Para e um contingente do SBS, além do pessoal da RAF. A Força Aérea
usaria helicópteros Chinook e Lynx que
foram desdobrados para um aeródromo pequeno em Hastings, a aproximadamente 30
milhas de Freetown.
A surpresa era essencial. Temendo que o som dos helicópteros alertassem os rebeldes o assalto foi programado para as primeiras horas do dia com luz, quando o inimigo estaria em seu menor estado de alerta.
A Operação Barras, seria um ataque em duas frentes, com os pára-quedistas do 1º Para descendo dos helicópteros Chinook sobre um local de pouso perto da posição dos West Side Boys. Sua missão era atacar a vila de Magbeni, que era uma das duas posições controladas pelos rebeldes em Rockel Creek. Do outro lado, a cerca de 100 jardas, estava a vila de Gberi Bana, onde os militares britânicos do Royal Irish Regiment estavam mantidos como reféns.
Enquanto os pára-quedistas atacavam a vila de Magbeni, o assalto direto a vila de Gberi Bana seria realizado por homens do Esquadrão D do SAS, vindos do norte (de uma posição previamente montada nas ultimas duas semanas) e do sul, através de mergulhadores do SBS que sairiam do rio, depois de tê-lo atravessado numa infiltração subaquática.
No dia 10 de setembro às 6:16 da manhã três helicópteros Chinook e dois Lynx Westland artilhados decolaram em direção as posições rebeldes. Às às 6:40 começou o assalto com os dois Lynx atacando os rebeldes no riacho. Seguiu-se um intenso tiroteio, e os Chinook aterrissaram próximo da vila Magbeni com o apoio dos Lynx.
Os reféns foram imediatamente resgatados pelo pessoal do SAS e do SBS e levados para o terceiro Chinook. Cerca de 20 minutos depois de começar a operação, eles já estavam a caminho do RFA LSL Sir Percival que estava ancorado perto de Freetown.
A luta na vila Magbeni levou mais ou menos duas ou três horas. Essa demora ocorreu porque o objetivo secundário das forças britânicas era recuperar os Land Rovers que ainda estavam em poder dos rebeldes.
Conclusão
Toda a força de resgate se retirou por volta das 16:00. Os britânicos mataram 25 milicianos (entre eles 3 mulheres) do West Side Boys, libertaram todos os reféns e prenderam 18 captores (incluindo 3 mulheres). Entre os prisioneiros estava Foday Kallay. Os britânicos tiveram 12 feridos e um operador do SAS (Brad Tinnion) foi morto.
Depois de passada toda a agitação do resgate foi revelado que o
a entregar do telefone por satélite era um elemento vital da missão de resgate. Não somente ajudou a localizar os reféns, pois usava um dispositivo de localização, como permitiu também que as forças armadas britânicas entrassem em contato com eles antes que o salvamento fosse feito, através de uma mensagem codificada, que informava que uma operação estava a ponto de ser lançada.O primeiro-ministro britânico Tony Blair disse que a operação foi totalmente bem-sucedida e elogiou a habilidade e profissionalismo das Forças Armadas britânicas, dizendo que elas são "as melhores do mundo".
Sankoh
dirige o coração da treva em Serra Leoa
Chefe guerrilheiro ganha o poder incentivando a idéia de que comer o
corpo de um guerreiro tombado dá força
SAM KILEY
The Times
BO, Serra Leoa - Sentado à
sombra de uma mangueira em Bo, cidade natal de Foday Sankoh, Francis
contou-me sobre o "guisado dos rebeldes".
Tremendo de terror ao
lembrar-se, lançando olhares nervosos sobre o ombro e para o psicólogo
que estava "desprogramando" esse soldado-menino, ele disse
que fora recrutado à força para a unidade de infantaria do Exército
como uma espécie de criado, quando as forças do governo tomaram
uma posição ocupada pela Frente Revolucionária Unida (FRU), de
Sankoh.
"Estávamos morrendo de
fome", murmurou Francis com lágrimas nos olhos, implorando
algum tipo de compaixão que ele próprio não conseguia encontrar
em si. "Todas as cabanas estavam em chamas. Alguns rebeldes
foram mortos e o restante fugiu, sumiu no mato. Tínhamos tanta
fome, tanta fome. Vimos que eles haviam deixado uma panela de comida
no fogo, havia chá quente e estávamos com tanta fome."
Francis acrescentou: "A
comida era boa. Eu não tinha comido daquele jeito havia meses,
desde quando me pegaram em casa e me fizeram entrar para o Exército.
Aquilo era mesmo bom. Enfiei minha faca à procura de mais carne.
Quando a puxei, uma mão
saiu pendurada nela, uma mão humana." Nesse ponto, Francis
caiu para a frente, tremendo como se sofresse um ataque súbito de
malária. À nossa volta, o zumbido das moscas perturbava o silêncio.
Isso foi em 1995, quatro
anos depois de Sankoh desencadear sua "revolução" em
nome da reforma agrária. E em nome dos camponeses que não estavam
recebendo seu quinhão dos fantásticos recursos minerais de Serra
Leoa.
Em apenas quatro anos de
operações guerrilheiras, Sankoh havia assumido o controle do coração
da treva. Havia posto a seu serviço os mais profundos temores
humanos e distorcido a tradicional crença animística, tornando-a
um vudu que fez o ar opressivo do interior de Serra Leoa parecer uma
névoa de podridão, sangue e terror.
Depois de chegar à patente
de cabo no Exército colonial de Serra Leoa, Sankoh tornou-se fotógrafo
e operador de videocâmera em Bo. Nos anos 60 e 70, ganhou a vida
tirando fotos de casamento para os negociantes de diamantes,
principalmente libaneses, que trabalhavam em estreita aliança com
funcionários do governo para sonegar impostos. Em Bo, Sankoh
aprendeu que quem controlasse os diamantes de Serra Leoa seria dono
do país.
As pedras preciosas, cujos
preços são garantidos pela Central Selling Organization, da
companhia De Beers, eram uma fonte instantânea de dinheiro, não
exigindo mais que uma pá e um pouco de graxa no ombro para
garimpar. As pedras aluvianas, muito apreciadas por joalheiros, são
extraídas de valas a poucos centímetros de profundidade.
No ano passado, as zonas
diamantíferas sob seu controle produziram oficialmente só US$ 30
milhões. Mas o equivalente a US$ 300 milhões foi despachado através
da Libéria, que praticamente não tem diamantes. Os garimpos em
torno de Bo, Kono e Koidu, no leste de Serra Leoa, estão marcados
por inúmeras escavações individuais que fazem a região parecer
um campo de batalha da 1ª Guerra Mundial.
No final dos anos 60 e início
dos 70, Sankoh passou alguns anos na prisão por articular um dos
muitos golpes ocorridos no país. Ali, contraiu o gosto pelo poder e
formulou a teoria revolucionária "agrária". Ao que
parece, isso serviu para transformar a raça krio - raça de
escravos que voltaram do Caribe e fundaram Serra Leoa na virada do século
- alvo de especial desprezo. Depois, parece que o objetivo de Sankoh
foi destruir a raça krio e devolver seu país ao regime
"verdadeiramente negro". Ainda assim, a maioria de suas vítimas
era e continua sendo gente pobre da zona rural. Sankoh aprendeu muito com
outro mestre do despotismo na África, Charles Taylor, atual
presidente da Libéria, onde ele viveu de 1990 a 1991.
Os dois países têm a tradição
das sociedades secretas, uma espécie de maçonaria pré-medieval.
Tais sociedades reúnem-se com mais freqüência à noite. Seus
participantes usam máscaras que simbolizam espíritos e ancestrais
enviados para guiá-los ou animais selvagens e outros fetiches. Em
épocas de conflito, eles serviram para preservar a coesão das
comunidades e como meio de distribuir escassos recursos sem discussões.
Conta a lenda que muito
raramente os sacrifícios incluíam a morte de um ser humano. Partes
do corpo humano são muito apreciadas em feitiçaria em toda a África,
por sua potência (ainda na semana passada, prenderam um curandeiro
em Johannesburgo depois que o corpo de um menino foi descoberto sob
o piso de seu estabelecimento). Mas em Serra Leoa nenhum antropólogo
havia provado a prática ritual do sacrifício humano, muito menos o
canibalismo que vinha a seguir, conforme se conta. Quer dizer, não antes de a
"revolução" de Sankoh entrar em plena atividade.
A exemplo de seu mentor
liberiano, ele descobriu que o meio mais eficaz de manter seu exército
rebelde coeso, altamente móvel e acima de tudo obediente era a
doutrinação ritualista. A crença de que comer o corpo de um
guerreiro tombado dá grande força é bem antiga.
Sankoh parece ter
incentivado essa noção terrível e, se devia haver atos de
canibalismo, não haveria espectadores nos rituais. Um
ex-guerrilheiro explicou que aquilo ficou fácil depois de algum
tempo e as pessoas brigavam pelo que julgavam ser os "melhores
pedaços".
Pouco a pouco, Sankoh foi
enriquecendo sua teoria sobre a liderança baseada no terror. Um de
seus nomeados mais "brilhantes" foi Sam Mosquito Bokarie,
que havia ingressado na FRU enquanto esperava um ônibus que o
levaria à discoteca onde ele trabalhava como dançarino, em Abidjã,
capital da Costa do Marfim. Bokarie emocionou-se com as canções
dos jovens recrutas da FRU que voltavam para a terra natal.
Pulou para dentro de um
caminhão que passava e o levou para a ignomínia. Ele afirma que se
chama Mosquito não por sugar sangue, mas "por causa de meu
estilo de luta, estou sempre me mexendo, sempre atacando".
Sankoh encontrou em Bokarie
o lugar-tenente perfeito, homem que gostava de seu serviço, adorava
matar. Juntos, percorreram o interior do país fazendo meninos
ingressar em suas fileiras por meio do terror.
Seu método era uma degeneração
da promessa alardeada pelos jesuítas de que, se recebessem uma
criança antes de ela completar 7 anos, eles a tornariam um católico
devoto pelo resto da vida.
A FRU visou meninos pré-adolescentes
que eram forçados a matar ou a estuprar e depois recebiam drogas
que entorpeciam a dor causada por seus atos. Logo esses meninos se
tornaram máquinas mortíferas ideais. Eles não conheciam nada além
da violência e nenhum outro meio de sobrevivência.
No ano passado, quando
Sankoh lançou a "Operação Nenhum Ser Vivente" contra
Freetown, seu exército de soldados-crianças interpretou facilmente
as palavras de ordem. Mataram indiscriminadamente. Arrasaram com incêndios
um terço do leste do país e desfrutaram de uma orgia de mutilações
que equivaliam a assassinatos lentos.
A pergunta "manga
comprida ou manga curta?", feita por um menino de talvez 12
anos, significa simplesmente: "Você quer que eu corte seu braço
no bíceps ou no pulso?" O que faz pouca diferença para os
habitantes de Serra Leoa.
A perda das duas mãos
significa o fim da vida como agricultor e é uma sentença de morte
também para os filhos pequenos. Às vezes, toda uma família cujos
membros sofreram amputação dupla, com o branco dos ossos recém-expostos
brilhando à luz tropical, chega ao Hospital Connaught de Freetown e
fica em silêncio na fila esperando atendimento.
"Às vezes até o suicídio
é uma luta quando não se tem mãos", disse um velho.
Ex-professor primário, ele
estava encolhido no piso da sala de operações, rindo secamente.
"Alguém de bom coração jogou uns analgésicos no bolso de
minha camisa. Como vou pegá-los?"
Sankoh forçou sua participação
no poder com Johnny Paul Koroma, oficial que depôs o
democraticamente eleito Ahmed Tejan Kabbah logo após sua eleição
em 1996. Em 1998, quando suas forças pertencentes à FRU foram
expulsas por soldados nigerianos e de outros países da África
Ocidental, ele foi preso, julgado e condenado à morte por traição.
Na cadeia, ele levava os
outros presos ao desespero com seus desvarios.
"Aquele bastardo uiva
como lobo", contou um policial nigeriano que vigiava a cadeia.
"Ele tagarela consigo mesmo a noite inteira, depois se levanta
e diz que está ótimo. Precisamos transferi-lo para onde não pudéssemos
ouvir sua voz." Naquela época, Sankoh parecia desnorteado.
Mas seus homens continuavam
leais ao movimento e conseguiram infiltrar-se em Freetown, o que
eles tentaram fazer novamente esta semana. Em janeiro do ano
passado, quase conseguiram expulsar os nigerianos e saquear a
cidade.
Sankoh estava em sua prisão
enquanto os nigerianos e o presidente Kabbah ignoravam conselheiros
que os mandavam executar logo a pena de morte. Em vez de ser morto,
ele foi reabilitado por um acordo patrocinado pela Grã-Bretanha e
pelos Estados Unidos, com o apoio das Nações Unidas.
Ele saiu pestanejando da
prisão, com o título de vice-presidente e o portfólio de ações
dos garimpos. Quase imediatamente, Sankoh insistiu que a indústria
dos diamantes fosse "expurgada" - o que significava a
expulsão dos negociantes libaneses e a retenção da parte do leão
para ele próprio.
Era evidente que a paz não
podia durar. Os acampamentos montados para desmobilizar os
combatentes tornaram-se focos explosivos. Os homens de Sankoh
entregaram apenas quatro mil fuzis, embora os soldados-meninos de
seu movimento totalizassem pelo menos 15 mil.
Naquela ocasião, o chefe
tribal Sam Hinga Norman, que controlava os kamajors - milícia leal
ao governo -, disse: "Não se pode fazer acordos com um homem
possuído por demônios." A história recente mostrou que o
chefe estava com razão em muitos pontos. E Sankoh não dá nenhuma
mostra de que tem o mais remoto contato com a realidade. Ele
declarou não muito tempo atrás ao Concord Times que não precisa
comer: "Sou alimentado por alguma força sobrenatural." E
também não mostrou equilíbrio mental ao explicar por que havia
desfechado outra ofensiva: "Ouvi uma voz que me mandava
libertar meu povo." |
Os diamantes de Serra Leoa Não existe outro motivo convencional para que as pessoas se matem por lá – exceto, evidentemente, os diamantes. Não há diferenças tribais significativas nem conflitos ideológicos. Mas o que era para ser a salvação do país acabou se tornando a razão de sua miséria e já matou mais de 50.000 pessoas em nove anos de guerra civil. Serra Leoa tem capacidade para extrair 70 milhões de dólares por ano de diamantes, contudo apenas 1,5 milhão de dólares constam da receita oficial. O resto é contrabandeado para os países vizinhos em troca de armas que incendeiam a guerra. A ONU vem estudando uma forma de embargo a esses diamantes, mas a tarefa é quase impossível. Contrabandeá-los é muito fácil, uma vez que poucas pedras formam uma grande fortuna facilmente transportada numa caixa de fósforos. Vale tudo para esconder as pedras. Engolir, colocar debaixo da língua ou das unhas. Os traficantes de Serra Leoa são capazes até mesmo de ocultá-las na pele, colocando-as em machucados abertos e recém-cicatrizados. A ousadia dos contrabandistas é a mesma dos assassinos na hora de decidir quem vai morrer. As vítimas podem ser pessoas que se recusam a lhes dar dinheiro ou simplesmente qualquer um com quem não simpatizam. Os facínoras estupram mulheres e freiras, seqüestram padres, marcam crianças como gado e as drogam para obrigá-las a guerrear. O governo conta com a ajuda de uma milícia igualmente brutal, a Kamajor. Caçadores tribais, eles costumam freqüentar o campo de batalha protegidos com amuletos que, acreditam, os tornam imunes às balas. Os guerrilheiros e milicianos de Serra Leoa formam uma curiosa caricatura de elementos primitivos e da cultura pop internacional. Vestem camisetas de bandas de rock, misturam óculos escuros com perucas vermelhas. Querem ser chamados por apelidos, como "Coronel Sanguinário", "Comandante Cortador de Mãos" ou "Mister Morte". Nomes que soam bem no pior lugar do mundo. |
Serra Leoa |
Nome
Oficial: Serra
Leoa |
Situada na costa oeste africana, Serra Leoa possui montanhas nas regiões norte e leste, onde está Koidu-Sefadu, a maior área de extração de diamante, principal atividade econômica do país. O turismo - cujo atrativo são as reservas de animais selvagens - sofre os efeitos da guerra. Cerca de 65% da população divide-se em duas etnias: os temnes, seguidores do islamismo, e os mendes, em geral animistas. Serra Leoa é uma das nações mais pobres do mundo. Possui o menor índice de desenvolvimento humano (IDH) - 0,252 - e taxa recorde de mortalidade infantil: a cada mil crianças, 170 morrem antes de completar um ano. Em meados da década de 90, o país mergulha na guerra civil entre o governo e a Frente Revolucionária Unida (FRU), que obtém nas minas de diamante sob seu controle os recursos necessários para a campanha guerrilheira. Um estudo do Unicef revela que Serra Leoa detém a maior porcentagem de crianças lutando em guerra - 10% dos milicianos da FRU são menores de idade. |
HISTÓRIA - A partir do século XV, os portugueses transformam a região em centro de captura de escravos. O território é ocupado pela Inglaterra no século XVII. Em 1786, os britânicos fundam a cidade de Freetown, que recebe ex-escravos emancipados da Europa e da América. Após a proibição do tráfico de escravos, no século XIX, 70 mil africanos interceptados em navios negreiros são levados a Serra Leoa. Com os descendentes de ex-escravos, eles compõem a elite do país, independente em 1961. Em 1967, Siaka Stevens torna-se primeiro-ministro, mas é derrubado por um golpe militar. Um contragolpe em 1968 o reconduz ao poder. Stevens é o ditador até 1980, quando é deposto pelo general Joseph Saidu Momoh. Um plebiscito marca a redemocratização em 1990. Mas dois anos depois há um golpe de Estado liderado pelo capitão Valentine Strasser. Em 1995, a guerrilha da Frente Revolucionária Unida (FRU) seqüestra seis freiras estrangeiras, entre elas a brasileira Hildegard Jacoby, libertada no mês seguinte. O capitão Strasser é deposto em janeiro de 1996. Eleições e golpe - Eleições realizadas em 1996 dão vitória ao Partido do Povo de Serra Leoa (SLPP), que dominara a vida política entre 1961 e 1967. Seu líder, Ahmed Tejan Kabbah, torna-se presidente. O primeiro governo civil em quase duas décadas inicia diálogo com a guerrilha e dá alento à normalização da economia e das instituições. Em maio de 1997, um golpe militar liderado pelo major Jonny Paul Koroma - aliado da FRU - depõe Kabbah, proíbe partidos políticos e suspende a Constituição. Em protesto, os Estados Unidos (EUA) fecham a embaixada no país. Freetown é bombardeada por barcos nigerianos, com a ajuda de tropas da Guiné, na tentativa de reconduzir ao poder o presidente deposto. O major golpista é destituído em fevereiro de 1998. Kabbah retorna a Serra Leoa, reassume o governo e decreta estado de emergência, o que lhe permite prender cerca de 2 mil pessoas acusadas de colaborar com o regime militar. O líder da FRU, Foday Sankoh, é condenado à morte. Os guerrilheiros da FRU reagem e lançam uma campanha de terror contra a população civil, promovendo amputações em massa. |
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Total da
População (Est.
Jul/2001): 5,426,618
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